A SOCIEDADE DOS PÉS JUNTOS

Texto de: Miria Alves 

Todo cemitério é um reflexo de modelo classista da sociedade dos vivos. Quando a pessoa pertence à organização dos vivos ela é designada por classes sociais. Os mais ricos, que estão no topo da hierarquia tem mais privilégios. Os que estão na classe média, têm possibilidade de vida estabilizada, e estão ao redor dos mais abastados. Na base dessa hierarquia estão os pobres, como componentes do contingente da massa, que apenas tem sua existência identificada.

Na sociedade dos pés juntos, acontece da mesma maneira. Os que foram de elevado grau de autoridade eclesiástica têm seu lugar no centro do altar ─ sepulcros ─, “ao lado de Deus”. Os mais ricos, ou melhor, que fora enquanto vivos, demonstram seu poder aquisitivo expressos em seus privilégios como: terem sua residência ─ mausoléus─ “perto de Deus”, ou o mais próximo das construções das igrejas possível. A suntuosidade de seus imóveis é caracterizada pela composição do busto do proprietário, seu nome completo, menção honrosa ao mesmo, algumas residências são decoradas com obras de artes variadas e, o registro do período de passagem do morador pela sociedade dos vivos. Muitas dispõem de funcionários para manter o ambiente limpo e organizado.

Os pertencentes à classe média estão próximos, mas, não ao lado dos mais ricos. Têm seus domicílios variados: alguns são construções de alvenarias ─ sepulturas ─ com laje tumular e, lápide; ou apartamentos ─ carneiros. As de laje, em sua maioria, possuem a fotografia do morador, o nome com abreviação dos sobrenomes intermediários, às vezes decoradas com esfinges, anjos ou estátuas. A maioria tem apenas por decoração, um vaso, com alguns detalhes, para depósito de flores. A mensagem na lápide, às vezes resumida em: Aqui jaz… e, o período de passagem do mesmo pelo mundo dos viventes.

Os apartamentos não têm decorações, pois se trata de um condomínio, e o prédio precisa ter sua fachada padronizada. Nas lápides dos condôminos, consta o número do apartamento ─ o mesmo do livro de registro de mortos─, a data inicial e final de suas ‘andanças’ enquanto vivos e, alguns têm seu primeiro e último nomes gravados. Todos os apartamentos têm uma pequena sacada, ou cabide, para depósito de flores.

Entre os membros da classe menos favorecida, os pobres, há os que têm apenas a fachada da casa de alvenaria, onde consta o número de sua identificação e, outras somente a cruz de madeira com o número de registro no livro sindical que organiza aquela cidade dos mortos. Sendo que, as casas que possuem apenas a cruz, são desocupadas a cada três meses para a troca de morador. Existem também situações como de guerras ou por falta de terreno disponível no loteamento, fazendo com que os novos membros da comunidade sejam depositados em alojamentos coletivos ─ covas coletivas.

 Não tenho informação se na organização dos mortos existem lutas de classes como acontece na sociedade dos viventes, porém, se equivalem em muitas coisas. A desigualdade social ainda prevalece mesmo após a morte. A única igualdade existente entre os membros destas comunidades privadas de animação, além de estarem mortos é claro, é que todos estão de pés juntos.